5 de março de 2010

Há paz sem justiça?*

Robson Campos Leite**

Da mesma forma que a febre no organismo de uma pessoa doente não é a causa de um problema de saúde, mas a conseqüência de algum distúrbio bem mais sério no corpo humano, a violência que assola a nossa sociedade é o resultado de um processo de anos de desigualdades, de concentração de renda, de injustiças e, sobretudo, de uma ausência do estado em promover a dignidade plena da pessoa humana através de políticas públicas.

Em diversos estados do nosso país, a política de segurança pública – responsabilidade constitucional das unidades federativas – vem se baseando em uma estrutura de confronto que, lamentavelmente, vem vitimando jovens, trabalhadores, trabalhadoras e moradores de comunidades em situação de risco. Vidas que são ceifadas em nome de uma paz que, infelizmente, não é verdadeira, pois não possui bases sólidas sedimentadas na construção de uma sociedade justa e fraterna.

No ano passado, o Governo Federal através do Ministério da Justiça convidou a sociedade civil organizada para, juntamente com o poder público, refletir sobre quais são os caminhos para essa mudança de paradigma através das Conferências Livres de Segurança Pública. Porém, infelizmente, em alguns estados do Brasil o balanço não foi muito positivo: conferências realizadas durante a semana e em horário comercial impedindo a plena participação popular, dificuldade de inscrição e credenciamento além da falta de incentivo para que os cidadãos pobres e moradores de comunidades afetadas pela violência participassem como grandes protagonistas desse processo. Esses foram alguns dos graves e lamentáveis equívocos cometidos nessas conferências.

Também percebemos em diversos estados do Brasil uma política pública de segurança baseada no confronto que em nada resolve o problema. Muito pelo contrário. Vejamos, por exemplo, a polícia do Rio de Janeiro classificada pelos números oficiais do Ministério da Justiça como a que mais mata e a que mais morre no Brasil. Como conseqüência disso temos um significativo aumento de insegurança, violência e mortes nesse Estado. É preciso mudar o rumo dessa política no Rio de Janeiro e em todos os estados brasileiros que a utilizam como instrumento equivocado de “pacificação”. A polícia – tanto a civil quanto a militar – deve ser o último braço do estado a entrar em uma comunidade pobre. Muito antes dela precisamos de escolas públicas de qualidade, professores e profissionais de educação bem remunerados, creches públicas de nível de excelência e em regime integral, saneamento e moradias com dignidade além de uma atenção especial para a inserção social de jovens e adolescentes em situação de risco por parte desses Estados.

Em função desse quadro é que nós precisamos vir a público para manifestar e denunciar esse sistema de injustiça que impede a construção da paz em nossa sociedade, pois trata-se de um modelo de segurança pública que mata e criminaliza os mais pobres e, principalmente e de modo peculiar, os jovens. Uma política de segurança pública ineficaz que está em prática em alguns estados brasileiros, pois, ao invés de priorizarem programas do Governo Federal como o Pronasci – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania que busca construir oportunidades para jovens em situação de vulnerabilidade social – optam pelo confronto e pelo extermínio. Não é coincidência o fato de que nesses estados reduz-se, a cada mês, o número de prisões. Por outro lado e em conseqüência disso, há um aumento significativo e sistemático dos homicídios. Em todos eles, sem exceção, o orçamento federal destinado para o Pronasci no ano de 2009 não foi totalmente utilizado (* – Dados do Ministério da Justiça). Concluímos, infelizmente, que a polícia desses estados não mais investiga e prende, mas simplesmente e lamentavelmente mata e extermina. Culpa apenas do policial? Não. Culpa de um sistema nefasto, mentiroso e equivocado que tenta, a todo o custo, enganar a sociedade e não encarar o problema: a promoção da justiça através de oportunidades para os mais jovens, em especial os que estão em situação de risco.

Precisamos mostrar e debater pistas e alternativas para soluções diferentes dos profundos equívocos desse modelo. Precisamos nos colocar ao lado do povo que sofre para que eles, e não apenas as autoridades, sejam os grandes protagonistas das políticas públicas. Não podemos nos furtar da missão de incentivar o cidadão e a cidadã de bem a participar ativamente dos processos políticos. Entretanto, para isso, exigimos que esses processos tenham, sobretudo, o foco no cidadão e na preservação da vida, além de um claro compromisso com a democracia e a defesa dos direitos humanos.É hora de mudar de rumos. Faz-se urgente, no âmbito do Congresso Nacional, uma revisão das leis orçamentárias e fiscais que lamentavelmente priorizam a economia colocando-a, de maneira equivocada, como o centro de tudo esquecendo-se, inclusive, que ela não é fim, mas meio de promoção da dignidade humana. A educação, a saúde e as políticas públicas de distribuição de renda precisam ser prioridades aos superávits fiscais orçamentários.

Os caminhos são esses. Essa é a contribuição que a sociedade civil organizada precisa dar ao processo de mudança de paradigma de segurança pública para que, dessa forma, possamos ter uma paz verdadeira, duradoura e edificada nos sólidos pilares da justiça, da solidariedade e da fraternidade. O poder público, representado nesse caso pelos Governos Estaduais, precisa disputar os nossos jovens com o crime organizado, mas essa disputa não pode ser à bala. Tem que ser através políticas públicas que gerem oportunidades e inclusão social com cidadania aos nossos jovens e adolescentes.


Baixe aqui o pdf da matéria.

(*)Artigo publicado no Jornal do Brasil no domingo 28 de fevereiro de 2010

(**) Robson Campos Leite é Professor universitário, petroleiro, educador popular, escritor e autor do livro “Fé e Política se Misturam? Uma reflexão necessária”Email: feepolitica@terra.com.br
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